segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

DEPOIS DE NILO PEREIRA, RUY ANTUNES PEREIRA E CÂMARA CASCUDO, FRANKLIN JORGE É A FORTUNA CRÍTICA DA ESCOLA LITERÁRIA DO CEARÁ-MIRIM/RN.

FRANKLIN JORGE - ESCRITOR E CRÍTICO LITERÁRIO

O CEARÁ-MIRIM NA LITERATURA
Transcrito do NOVO JORNAL
[Natal, 19 de fevereiro de 2012]
Por Franklin Jorge

O Ceará-Mirim pertence definitivamente à literatura. E distingue-se, nesse âmbito, por uma plêiade de escritores humanistas apegados à sua querência, como diria o ensaísta José Lívio Dantas.
Ali, no massapé, tem prosperado uma civilização canavieira e uma refinada tradição literária consubstanciada em memorialismo e numa escritura subjetiva, intimista e analítica, centrada em valores humanísticos que inscrevem o verde Vale do Ceará-Mirim no território da alta cultura.
Desde o seu delicioso e surpreendente “Oiteiro, memórias de uma sinhá-moça” - lançado em 1958 pela Editora Pongetti, do Rio de Janeiro -, a literatura dessa estreante reanimou a alma do lugar e deu-lhe relevo no conceito dos estudiosos e dos amantes da boa literatura que alguma vez se debruçaram sobre esse fenômeno, que singulariza o Ceará-Mirim, e reacende uma velha questão: na província é ainda onde se prezam melhor certos valores, como a tradição literária que a nobilita. A autora escreveu, ainda, um diário de sua viagem as terras paulistas, suas únicas obras conhecidas além da colaboração em jornais manuscritos da sua terra, copiados a mão pelas moças letradas do Ceará-Mirim.
Maria Madalena Antunes Pereira [1880-1959], autora de um livro único, um livro que, em seu gênero, faz contraponto com “Minha Formação”, de Joaquim Nabuco, ambos autores oriundos do patriarcalismo rural e com os pés em engenhos de açúcar. Fundou, com a publicação de “Oiteiro...”, uma tradição e estabeleceu um cânone literário embebido de humanismo que continuou com seus epígonos.
Dona Madalena Antunes não é nenhuma estilista; escreve segundo o estilo em que escreviam as escritoras da época. Sua grandeza está na autenticidade da sua escritura que tem a jubilosa claridade do dia. Privilegiada contemporânea da História, a proto-escritora do Ceará-Mirim guardou nas retinas e na lembrança aquele dia 13 de maio, viu o alvoroço dos escravos libertados pela Princesa Isabel, em debandada, completamente desorientados, atordoados, alvoroçados diante da grande perspectiva de liberdade que se criava com aquele ato real.
Emocionante, a página em que Madalena Antunes, registra o atordoamento de uma ex-escrava que não sabia para onde ir e preferiu ficar no engenho de açúcar, sem saber o que fazer da liberdade. Emocionante, a ternura com que nos fala de Tonha e Patica, as duas escravas que eram esplendidas contadoras de histórias, suas companheiras inesquecíveis. Patica, batizada Francisca, era uma negra alta e corpulenta, sabia manter acesa a atenção e a curiosidade de sua jovem platéia.
É “Oiteiro...” um livro referencial de uma época desaparecida e, entre nós, ainda pouco estudada. Um livro que, escrito por uma representante da aristocracia rural do Vale do Ceará-Mirim, recupera para o leitor e para a historiografia potiguar a rotina da casa grande, já abalada em seus alicerces pela transformação social em progresso. Publicado a mais de 50 anos, continua a comunicar-se com os leitores, numa prosa viva e buliçosa, pois não há quem não se encante com esse memorial de vida. Um livro, enfim, que deleita no que há de melhor no homem. Uma das grandes elegias da infância.
Foram seus discípulos e expoentes dessa tradição inaugurada pelo livro de Madalena Antunes, os escritores Edgar Barbosa [1909-1976] e Nilo Pereira [falecido em 1992], ambos, escritores proustianos, telùricamente enraizados no chão do Ceará-Mirim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário