terça-feira, 22 de novembro de 2011

TRANSCREVO, PARA O VALE VERDE, OS SEIS ELOGIOS DE TIO JUVENAL ANTUNES.

O GRANDE POETA DE CEARÁ-MIRIM, IRMÃO DAS POETISAS MARIA MADALENA ANTUNES PEREIRA E ETELVINA ANTUNES DE LEMOS E DE EZEQUIEL ANTUNES DE OLIVEIRA, MÉDICO DO EXÉRCITO.
JUVENAL ANTUNES DE OLIVEIRA

ELOGIO DA PREGUIÇA
Juvenal Antunes


Bendita sejas tu, preguiça amada,
Que não consentes que eu me ocupe em nada.
Mas, queiras tu, preguiça, ou tu não queiras,
Hei de dizer em versos, quatro asneiras.

Não permuto por toda a humana ciência
Esta minha honestíssima indolência.
Está na Bíblia esta doutrina sã:
Não te importes com o dia de amanhã.

Para mim, já é grande sacrifício
Ter de engolir o bolo alimentício.
Oh! Sábios! Dai à luz um novo invento:
A nutrição ser feita pelo vento.

Todo trabalho humano em que se encerra?
Em, na paz, preparar a luta, a guerra.
Dos tratados, e leis, e ordenações,
Zomba a jurisprudência dos canhões.

Juristas que queimais vossas pestanas,
Tudo o que legislais dá em pantanas.
Plantas a terra, lavrador? Trabalhas
Para atiçar o fogo das batalhas.

Cresce o teu filho; é forte, é belo, é louro.
Mais uma rês votada ao matadouro,
Pois, se assim é, se os homens são chacais,
Se preferem a guerra à doce paz,
Que arda depressa a colossal fogueira
E morra, assada, a humanidade inteira.

Não seria melhor que toda gente,
Em vez de trabalhar fosse indolente?
Não seria melhor viver à sorte,
Se o fim do mundo é sempre o nada, a morte?

Queres riquezas, glórias e poder...
Para que, se amanhã tens de morrer?
Qual mais feliz, o mísero sendeiro,
Sob o chicote e as pragas do cocheiro,
Ou seus antepassados que, selvagens,
Comiam livremente nas pastagens?

Do trabalho, por serem tão amigas,
Não sei se são felizes as formigas.
Talvez o sejam mais, vivendo em farras,
As preguiçosas, pálidas cigarras.

Oh! Laura! Tu te queixas que eu, farsista,
Ontem faltei à hora da entrevista,
E que ingrato, volúvel e traidor,
Troquei o teu amor por outro amor,
Ou que, receando a fúria marital,
Não quis pular o muro do quintal...

Que não me faças mais essa injustiça!
Se ontem, não fui te ver, foi por preguiça.
Mas, Juvenal estás a trabalhar!
Larga a caneta e vai dormir, sonhar!


ELOGIO DA IGNORÂNCIA (*)
(Beati pauperes espiritus)
Juvenal Antunes


Ignorância! Sê tu sempre bendita,
Fonte de todo bem, de toda dita!

É um sábio quem me diz: “muito estudei,
Mas, afinal, só sei que nada sei”!

Certo, a maldade anda de par com a ciência,
Mas, a ignorância alia-se à inocência!

Despreza as letras, rude tabaréu!
É garantido o teu lugar no céu.

Galileu ante os padres se ajoelhou;
Só assim das fogueiras escapou.

E Sócrates, na mesma estéril luta,
Morreu envenenado com cicuta.

Creio que se Jesus sofreu horrores,
É que foi arengar entre os doutores.

Eva pecou junto à árvore frondosa
Da ciência, cuja fruta é venenosa.

Terra de sábios, vede essa Alemanha!
Num mar de sangue a Europa inteira banha.

Congo, Bolívia, Haiti, Calábria, China,
Existe, aí, igual carnificina?

Ser jumento ou condor em nada influi;
É a razão de Calino contra Rui.

Nas bibliotecas, livros aos milhões...
Contra os mesmos, as balas dos canhões

Devem ficar de cólera bem roxas,
Pelo prejuízo, as traças e as carôchas!

Diante de proceder tão feio e abjeto,
Não é melhor ser burro e analfabeto?

Sempre esbarra na dúvida e no engano
O lerdo carro de saber humano!

A civilização, pelo que eu vejo,
Anda, mas anda como caranguejo...

Sendo que, às vezes, ela é tão madraça,
Que mesmo esse decápode a ultrapassa.

Homens! Examinai vosso progresso!
Dai-nos a paz e ventura...Pelo avesso.

Tu, oh! Laura, mulher de poucas letras,
Que não falas francês, que mal soletras.

Que pronuncias fia em vez de filha
E não sabes pospor uma cedilha.

Em matéria de amor és tão constante,
Tão fiel, tão delicada, tão amante!

E, embora sejas grande em formosura,
Não enxergas em mim tanta feiura!

E aturas com paciência tão louvável,
Minha falta de juízo incomparável!

Que eu, como a ti, nunca ninguém amei;
Nem por outra mulher te trocarei!


ELOGIO DO AMOR LIVRE
(Beati qui lugent)
Juvenal Antunes


Choramos, longo tempo, separados;
Por isso, agora, somos consolados.

Adoramos as flores e a poesia...
É do amor que nos vem tanta alegria.

Quando se traz o coração repleto
D’um grande, nobre, alevantado afeto;

Então nos aparece, soberana,
A parte sã da natureza humana.

Ascendamos, embora, altos calvários,
Somos felizes, crentes, milionários.

De sensível e fraco é minha fama,
Pois não sei como vive quem não ama.

Porque assim, és também, querida amiga,
Os nossos corações fizeram liga.

Por mais original que isto pareça,
O coração governa-me a cabeça.

Tu não serás mais forte! Certamente,
Dá-se comigo o mesmo, exatamente.

Desde que colhi o delicioso favo
Dos teus lábios, tornei-me logo escravo.

E, soando para mim a hora exícia,
No entanto, esta loucura bendizemos.

Que somos loucos, nós reconhecemos;
No entanto, esta loucura bendizemos.

De fato, em que consiste o prejuízo
Dessa apregoada falta de juízo

Respeitemos as leis da sociedade,
Não vem de nós a mínima maldade.

Livres como a ave, que os espaços fende
A própria liberdade é que me prende.

Não procuro saber quantos amaste,
Nem quantas eu amei tu indagaste.

Que falta faz de laranjeira a palma
A quem conserva a virgindade d’alma?

Sempre se encontram corações de pedra...
E é na desdita que a virtude medra.

Só nos cumpre saber é que, atualmente,
Nós nos amamos deliciosamente...

Sobre o passado, cerre-se a cortina;
Viva o amor, que nos une e nos domina!

Concedam-nos matar nossos desejos,
E trocar livremente os nossos beijos.

Enquanto vivos, numa mesma alcova,
Depois de mortos, numa mesma cova.

Deixem-nos, sim, esta ilusão de poeta,
E fiquem com o restante do planeta.


ELOGIO DA SOLIDÃO
Juvenal Antunes


Aqui, nesta erma e grata solidão,
Vem descansar, em paz, meu coração.

É bom viver assim, longe do mundo,
Encastelado num desdém profundo.

Cortando o vôo altivo ao pensamento,
Como um frade, nas grades de um convento.

Com um pouco de egoísmo e de avareza,
Tão propício à humana natureza.

Contra mim mesmo os próprios olhos volvo
E, dos delitos meus, me julgo e absolvo.

Beijos semeando em bocas tão formosas,
Colhi somente eupórbias venenosas.

Protestos de firmeza, olhar luzente,
Blandiciosas carícias, tudo mente!

A alma enfeitando de ilusões e flores,
Quis conhecer o amor e seus favores...

Daí me veio este meu mal sem cura,
Porque só vi pesar, tédio, amargura!

Hoje, morre-se à boca o riso franco
E o peito às expansões mais ternas tranco.

Atestando os desgostos e os trabalhos,
Os meus cabelos tornam-se grisalhos...

Já estou na idade de pensar, querida,
No problema econômico da vida.

Em ti é natural que prevaleça
Ainda o coração sobre a cabeça.

És mulher; e a mulher, em toda idade,
Tem grandes doses de infantilidade.

Enfim, Deus te conserve idealista
E te livre da seita sufragista!

Quero a mulher feliz, dominadora,
Não como deputada ou senadora.

Minto! Terei coragem para amar-te
De qualquer forma, sempre e em toda parte!

Contudo, oh! Laura, decretemos um
Modas - vivendi, para o bem comum.

Tu ficas onde estás e eu fico aqui,
Daí pensas em mim e eu penso em ti.

Para que o ciúme nunca mais, mais nunca,
Venha cravar-me a sua garra adunca!

Grave-se, embora, como uma ária flébil,
Esta saudade na minh’alma débil!

Das regiões ideais, a que te libras,
Tentas tocar - me as mais sensíveis fibras.

Mas, eu, que não ascendo aos altos cumes,
A “ouvir estrelas”e a “beber perfumes”,

Quero, em paz, descansar meu coração,
Aqui, nesta erma e grata solidão.


ELOGIO DA VELHICE
Juvenal Antunes


A minha musa, tão brejeira e alacre,
Que me acompanha neste exílio ao Acre,
Cheia de unção e cheia de meiguice,
Hoje te canta, oh! cândida velhice!

Matutino crepúsculo da vida,
Oh! Juventude! É sempre dolorida!
A serpente do amor, em seus amplexos,
Enlaça, engana, tiraniza os sexos.

Mas tu, Velhice, és tão serena e casta,
Que o tempo, apenas, te consome e gasta!
Ah! Cavaleiro das paixões mundanas,
Das intrigas e as cóleras humanas,
Rezas, contrita, as tuas orações,
Na igreja de ouro das recordações...

Desprezando ambições, poder, vaidade,
Somos, enfim, felizes nessa idade.
Sentimos a alma docemente presa
Nos grilhões de santíssima pureza.

A avozinha que embala, com carinho,
No berço azul, o seu gentil netinho.
Quer cante ou ria, ou se debulhe em pranto,
Tem qualquer coisa de sublime e santo.

Dentro de minh’alma satisfeita, brilha
A glória de ser pai de minha filha.
És meu tesouro, és preciosa gema,
És, com certeza, o meu melhor poema.

Filha do livre amor, independente,
Poderoso, sincero, heróico, ardente!
Sem escritura e cerimônias graves,
Cheio de encanto e de alegrias suaves!

De lindos sonhos povoarás, por certo,
A minha senectude, que vem perto.
Pois, felizmente, esta fatal ladeira
Da vida, desço em célere carreira.

Hoje, a maior das minhas alegrias
É ver que fogem, rápidos, os dias.
Passo semanas que não vou ao espelho...
Descuido próprio de quem fica velho!

Velhice! Vem, com teus prazeres francos,
Cobrir-me a fronte de cabelos brancos.
Que me faça esquecer tua virtude,
Os delitos sensuais da juventude!

Dá que te rogo e os simples afetos,
Rodeado dos meus netos e bisnetos!


ELOGIO DE LAURA.
Juvenal Antunes


Quase em meio da minha inútil existência,
Perdida a fé num Deus, ou numa ciência,
Tenho, a me iluminar, entre parcéis e abrolhos,
O divino clarão dos teus formosos olhos!

Leve o diabo o rapaz (se é que o diabo o quer),
Que não possui, na terra, o amor de uma mulher!
Tudo que o coração me pede e a alma me ordena,
Eu costumo fazer, valha ou não valha a pena.

É por isso que eu te amo, oh! Laura cobiçada,
Sem procurar saber se vales tudo, ou nada!
E assim, meço e aquilato o teu alto valor,
Na mesma proporção do meu imenso amor!

E adora, por igual, tanto a tua bondade
Como as farpas sutis da tua crueldade.
Porque em tudo és sincera, és franca, és corajosa,
E, embora espinhos tendo, és uma linda rosa.

Um dia, por querer o teu gesto olvidar,
Foi o meu coração no lodo conspurcar...
Fiz como aquele louco e pálido Roger,
Que tentou, mas em vão, a Fanny esquecer.

Mas, na orgia, no jogo, e mesmo na embriaguez,
Não te pude esquecer uma única vez!
Nos dados, no baralho, ou no copo de vinho,
Tu me estavas a olhar, com um sorriso escarninho.

E, as mulheres prendendo-me em demorado amplexo,
Era muda a minh’alma e era frio o meu sexo!
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Portanto, aqui me tens, como os molossos fiéis,
A te pedir perdão e a te beijar os pés!

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Nota: Sonetos da Breve Coletânea de Juvenal Antunes (Lúcia Helena Pereita)

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