domingo, 11 de dezembro de 2011

QUANDO OUÇO UM PÁSSARO DO VALE, AÍ ESTÁ UM ESCRITOR! FRANKLIN JORGE FAZ ESSA MAGIA, BEM ANTES DO SOL NASCER, NESTA MADRUGADA, ÀS 2:40! ILUMINO-ME!

FRANKLIN JORGE
THIAGO DE MELLO
JUVENAL ANTUNES

DE UMA VEZ POR TODAS
Transcrito do NOVO JORNAL (Natal, 11 de Dezembro de 2011)
Por Franklin Jorge - www.osantooficio.com


Acaba de sair em terceira edição “De uma vez por todas”, miscelânea de poesia e prosa, marcadamente autobiográficas, do queridíssimo poeta Thiago de Mello, autor de um poema que, pelo menos os jovens de minha geração sabiam de cor e salteado, “Os estatutos do homem”, que contém e resume o seu lirismo libertário, atualmente em sexta edição, desde o seu lançamento em 1977.
Perseguido pela ditadura militar, curtiu o exílio no Chile e noutros países, como a Alemanha, fazendo-se querido e admirado por onde passou, pois os deuses o bafejaram com esse misterioso dom de fazer amizade e de doar-se aos amigos, em ação e gentileza, como aproximar pessoas que ele crê estejam em sintonia ou tenham algo em comum. Para Thiago, viver é estar entre os outros, solidariamente, como nos tem ensinado Ana Arendt, lição que ele tomou como preceito e filosofia de vida.
Assim, quando nos conhecemos, cuidou logo de apresentar-me a alguns amigos seus cujos nomes são evocados, juntamente com o meu, nessa sua penúltima obra publicada que tenho debaixo da vista; digo “penúltima”, porque Thiago é desses intelectuais que não se deixam dominar pela fadiga ou o marasmo. Está sempre escrevendo, criando e inovando, como faz agora, em “De uma vez por todas” que, apesar do que há de peremptório e afirmativo nesse título, como algo feito e acabado, não pode ser tomado ao pé da letra. Em resumo, para Thiago, nada finaliza…
Acabei de adquirir o livro que leva a sua voz ardente, graças a noticia que dele me deu ao jantar em minha casa, noites atrás, o professor Antenor Laurentino Ramos, e nele encontrei nas páginas 247-50, prosificado, o longo poema que ele escreveu e marcou, como presente de aniversário, em 1992, os meus quarenta anos, transcorridos em Rio Branco, onde, por um breve tempo, caminhando ao seu lado sob um pálio de nuvens estreladas, pudemos pressupor o sentido de ser no tempo, isto é, da eternidade.
“Um rio cheio de pássaros e estrelas”, eis o titulo do poema que ele conserva em sua cálida e fluente prosa. Nesse texto, o reencontro com uma fração de minha vida: as visitas que fizemos juntos aos escritores Hélio Melo e Mário Diogo; aos ex-governadores Geraldo Mesquita e José Rêgo (este, nascido em Pau dos Ferros, o segundo dos dois governadores doados pelo Rio Grande do Norte ao Estado do Acre); o churrasco de peixe na casa deste último, um domingo, preparado por esse grande chef boliviano, Salazar Ruela; o pato no tucupi que nos reuniu, uma noite, em torno da mesa de Dona Bela, nossos queridos amigos, Dr. Albérico Batista da Silva, Lídia e Braz, que agora também fazem parte do universo poético e sentimental do “Caboclo Thiago”, aposto que ele usa na terceira pessoa, na intimidade, ao referir-se a si próprio…
Semeador de amizades que perduram em seus versos, Thiago é cheio de surpresas, como a poesia em que se decanta, agora e a cada instante do seu viver intenso, enamorado de tudo e da própria vida, como quem sabe cantar e repartir o canto que o habita.
Thiago tem raízes enterradas no Ceará-Mirim, onde nasci, um pouco antes dele pisar o seu solo, em decorrência de convite feito por Odilon Ribeiro Coutinho, que acabara de adquirir, ali, o Engenho Ilhabela. Havia pouco, Thiago publicara o seu segundo livro, “Narciso Cego” (Editora José Olympio, 1952), enquanto eu mal saíra dos cueiros…
Veio o poeta amazônida acompanhado de um dos grandes escritores brasileiros de sua geração, o paraibano universal José Lins do Rego, a quem ele chamava de Zé Lins, Zé do Rego, ou tão somente Zé, segundo a circunstância; o que não mudava era a amizade viril e a camaradagem que se estabelecera entre o jovem poeta e aquele colosso humano vinte anos mais velho, como se repetiria entre nós há pouco mais de duas décadas, ou bem antes disso, quando comecei a ler os seus poemas, a partir da publicação de “Faz escuro mas eu canto”, de 1965, atualmente em 14ª edição, através do qual ele passou a fazer parte, efetivamente, de minha vida.
Mas, voltemos ao Ceará-Mirim e à vivência de Thiago no Ceará-Mirim, assunto por demais importante para ser ignorado por aqueles que fazem ou fingem fazer cultura entre nós. Minha sugestão é simples: que essas crônicas, escritas quando da passagem do poeta pelo Ceará-Mirim, há quase sessenta anos, sejam reunidas em livro. Não um livrinho qualquer, uma edição bem cuidada e talvez, até, “de luxo”, ilustrada por um desses jovens talentos de minha terra.
Eis minha sugestão.

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JORNAL DE FRANKLIN JORGE - Thiago de Melo no Ceará-Mirim
por Redação

FRANKLIN JORGE
Jornalista
▶ franklinjorge@yahoo.com.br

Quando Thiago de Mello embarcou de volta para Barreirinha, ocorreu-me perguntarlhe sobre a origem de sua admiração por Juvenal Antunes. Durante os dias de sua permanência em Rio Branco, Thiago deu prova de um afetuoso e constante interesse pelo poeta norte-rio-grandense que morreu não de cirrose, mas de polinevrite, ao contrário do que se difundiu por todo o Acre.

Talvez esse interesse pela vida e a obra de Juvenal seja uma lembrança da temporada que Thiago viveu no Ceará-Mirim, terra natal do autor de “Elogio da Preguiça”, poema humorístico que se acrescenta às finas boutades forjadas por Juvenal em sua vida de boêmio impenitente.

Ainda hoje, tanto tempo decorrido desde a morte de Juvenal, sua verve peculiaríssima continua viva e presente no ópio das conversas, no Rio Grande do Norte e no Acre.

Diz o povo na sua atemporal sabedoria que é conversando que a gente se entende e sabe das coisas. Pois foi conversando à sombra do busto de João Pessoa, num sábado à noite, que Thiago me contou sobre os dias de felicidade e despreocupação que viveu na casa grande da Usina Ilha Bela, no Ceará-Mirim, de onde se descortinava o Vale paradisíaco, obsessivamente cantado por Nilo Pereira.

Thiago foi hóspede de Odilon Ribeiro Coutinho naquele ano de 1954 e, embalado pela maré montante dos canaviais leves, escreveu crônica e poema em sua coluna “Contraponto” que então publicava em “O Globo”. Ceará-Mirim, encastelada sobre ladeiras altivas, lhe pareceu à primeira vista um lugar mágico, ‘um campo de luz’.

A casa que o acolheu ficava numa colina onde, sozinho, Thiago divisava as estrelas e discernia os sortilégios da noite suave e imemorial. Casa Grande da Usina Ilha Bela (atualmente em ruínas) Durante o dia Thiago andava a cavalo e percorria o Vale tão familiar a Juvenal, nascido no engenho Outeiro, imortalizado nas memórias da irmã Maria Madalena Antunes Pereira, grande escritora do Ceará-Mirim, injustamente esquecida.

Lá, Thiago comeu coalhada com feijão verde e descobriu ou inventou que a chuva, caindo sobre o extenso milharal pendoado, era misteriosamente azul e estalava sobre os feijões em flor.

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