ESCRITOR FRANKLIN JORGE
NILO DE OLIVEIRA PEREIRA
NILO PEREIRA
Transcrito do NOVO JORNAL [Natal, 4 de Dezembro de 2011]
Por Franklin Jorge
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Quando regressava ao Rio Grande do Norte - após viver na Amazônia -, ao fazer uma daquelas conexões em Brasília, a aeromoça ofereceu-me, para distrair-me do cansativo trajeto desde Rio Branco, um exemplar do “Jornal do Brasil”, no qual instintivamente busquei a colaboração semanal de Josué Montello, que assim, ao escrever-lhe admiravelmente o elogio fúnebre, deu-me notícias de que o nosso amigo Nilo Pereira já não mais se achava entre nós.
Consternado, lembrei-me do ilustre conterrâneo do Ceará-Mirim e do quanto lhe devia em apreço e estímulos, do escritor mais velho e já consagrado por seus pares para com o jovem literato ansioso que, sem nenhuma garantia de êxito e sem aspirar a prêmios, dava os seus primeiros passos no árduo caminho das letras, que costumam cobrar aos seus cultores humilhações e renúncia.
Escritor duma categoria intelectual que se foi tornando cada vez mais rara, na mesma proporção em que entre nós triunfava a mediocridade, Doutor Nilo - como o chamávamos – conhecera-me ainda mal entrado na adolescência e desde então sempre me tratou como um companheiro, um talento realizado e não uma promessa, o que me cativou e fez de mim um fiel discípulo que só desejava honrar-lhe a confiança prodigada sem regateios, criando uma obra que me justificasse no futuro.
Formava, com Edgar Barbosa, a díade dos escritores mais insignes da nossa terra natal, o velho e aristocrático Ceará-Mirim que, por ele imortalizado como um desses burgos medievais, continua vivendo nas páginas compostas por um verdadeiro artífice da literatura; a literatura que era então e continuou sendo a luz de minha vida mal começada.
Além disso, estávamos e estaríamos sempre, os três – Nilo, Edgar e eu -, umbilicalmente unidos a terra onde vimos a luz pela primeira vez, e aos sortilégios de uma infância que remontava às brumas mitológicas da manhã da criação. Nilo, porém, compôs toda a sua obra polifônica sobre um único tema, a infância leve e alada, que para ele foi um dos nomes da Poesia. Ninguém, em tempo algum, o excedeu em seu amor ao Ceará-Mirim.
Pertenciam ao mais seleto grupo de escritores da sua geração. Amigos desde a escola primária no Ceará-Mirim, seriam por afinidade de estilo e visão do mundo, dois proustianos, cada um à sua maneira inesquecível. Dois mestres distintos, embebidos de pensamentos e de humanismo, enfim.
Nilo, numa linha de auto-análise e lirismo viril.
Edgar, um ático cujas sentenças lapidares eram incisões no ato de pensar.
Ambos, leitores hipercríticos e criadores literários vacinados contra a neutralidade do estilo, nem bom nem mau, que caracteriza os medíocres que ousam encarar o desafio da escritura.
Durante anos, até a sua morte, nos correspondemos e dele guardo algumas cartas que resumem toda uma cultura e um estar no mundo. E, nesse dilatado espaço de tempo, algumas vezes tive a honra de ser objeto de suas crônicas, dessas crônicas que por mais de sessenta anos escreveu e publicou no secular “Jornal do Comércio”, um dos mais prestigiosos periódicos pernambucanos, numa época em que o jornal era um padrão e constituía referência para o mundo letrado.
Também distinguiu-me, citando-me em alguns de seus principais livros - a começar pela reedição de “Imagens do Ceará-Mirim”, passando por sua única tentativa de romance, “A Rosa Verde” e o livro que escreveu sobre Jornalismo Literário, obras atualmente esgotadas e, por seu mérito, dignas de reedição.
Como Edgar Barbosa, seduzia-nos Nilo Pereira pela erudição e síntese com que dava-nos a conhecer o seu talento, expresso em obras evocatórias que delatam sua mestria de artífice da palavra.
Uma erudição, enfim, que nada tinha de rebarbativa ou dogmática. Relendo-o, agora, delicio-me com a criação de um escritor autentico que escrevia com leveza de forma e profundidade de conteúdo, ao circunscrever, no âmbito da crônica, toda uma enciclopédia de sugestões embebidas em contagiante humanismo literário.
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