“No princípio, diz um poeta persa, Alá tomou uma rosa, um lírio, uma rola, uma serpente, um pouco de mel, uma maçã do Mar Morto e um punhado de argila. Quando olhou para a amálgama...era uma mulher”!
OLHOS NO PASSADO
Lúcia Helena Pereira (2)
Há uma passagem bíblica, que adaptei à abertura de um concurso de oratória realizado em 1965, pelo Colégio Imaculada Conceição, com inúmeros participantes do Norte e Nordeste. A comissão julgadora foi presidida por Luís da Câmara Cascudo e os seguintes membros: Manoel Rodrigues de Melo, Newton Navarro, padre Nivaldo Monte e Américo de Oliveira Costa.
O meu tema versou sobre - O PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE E NO MUNDO - no qual obtive o primeiro lugar. Vamos à citação:
“Do pó da terra fez nascer Deus o homem e soprou - lhe nas narinas o fôlego da vida. Disse, então, Deus: não é bom que o homem esteja só, far - lhe - ei uma ajudadora que lhe seja idônea”!
Quão superior é a sabedoria de Deus! Creio que ELE jogou todo o lume do seu olhar à criação da natureza humana, animal, mineral e vegetal! E o mundo se fez! A natureza começou a esbanjar a sua grandeza; o homem aprendeu a desconhecer limites; a sua imbatível inteligência foi superando obstáculos e levando - o a descobrir, através das ciências e do poder da sua capacidade, seu interesse pelo progresso.
E Deus criou a mulher!
Zelma Bezerra Furtado de Medeiros (3), ilustre presença feminina dotada de grande sensibilidade e persistência, de extraordinária paciência, com os olhos sempre voltados para o passado, vem se dedicando ao resgate de mulheres que fizeram a história humana, social, política, cultural e literária do Rio Grande do Norte (ou que por aqui passaram), através da sua obra lapidar, aqui desmembrada, em sua primeira parte, com o título: “MULHERES DO RIO GRANDE DO NORTE”.
Essa obra, aparentemente em “banho Maria”, tem sido um trabalho contínuo através de velhos arquivos, inúmeros registros, antigos jornais e informações junto aos familiares e descendentes das homenageadas. Um exercício diário, elaborado com cautela e fidelidade, vez que, ao publicá-lo, Zelma estará trazendo para o presente, mulheres que marcaram as páginas da história do Rio Grande do Norte e, por conseguinte, merecendo nosso melhor apreço.
Concedendo - me o gáudio prestígio de uma apreciação dessa obra, vou me esforçando para sintetizar essa abordagem, agradecendo o privilégio de um conhecimento mais aprofundado da maior parte dos “mitos” femininos do RN. São inúmeros nomes que se constituem, por si mesmos, exemplos de coragem, ousadia, discernimento e inteligência, se não modelos para as novas gerações, mas, sobremaneira, como Joana D’Arc para a França, Nísia Floresta Brasileira Augusta é motivo de orgulho para o Brasil!
Essa obra constitui valiosa fonte de informações da atuação feminina em épocas recuadas, nos mais variados campos de atividades destacadas no nosso Estado e em outras localidades.
Tenho, em mãos, biografias de algumas dessas mulheres, às quais, apenas discorrerei superficialmente, afinal, neste volume, os leitores terão um melhor embasamento com a vasta pesquisa da autora.
Maria das Mercês Leite (pseudônimo de Cordélia Sylvia), do ano de 1888, mossoroense, autodidata, educadora, jornalista, compositora e poetisa, deixou-nos um belíssimo livro de poesias: “Acordes D’Alma”. Ao longo da execução de suas atividades literárias e culturais, prestou relevante contribuição à imprensa paraibana nos jornais: “União”, “O Nordeste” e “Imprensa”, fundando, ainda, a revista feminina “O Batel”. Em Natal/RN colaborou com: “O Malho” e “Via Láctea”, jornais locais. A sua missão foi interrompida aos 43 anos incompletos, com o seu falecimento na Paraíba.
Belisária Lins Wanderley, de 1836, última mulher titular do Império no Rio Grande do Norte, conhecida como a baronesa de Serra Branca, era assuense. Foi uma líder do abolicionismo. Ainda solteira, destacou-se espetacularmente ao libertar, em 1885, os escravos da família, banqueteando-os com um jantar servido por ela mesma. Um gesto que representou muito mais humildade e simplicidade, do que propriamente coragem e afronta aos moldes daquela sociedade. A baronesa viveu por quase um século, devotando-se às boas leituras e praticando a caridade. Como viúva, embora gozando de abastada situação financeira, enfrentou grandes obstáculos pelo temperamento altivo e a liberdade de ação, o que não a impediu, mesmo assim, de conquistar a simpatia e o respeito de boa parte da sociedade local.
Maria do Céu Pereira Fernandes, de 1910, nasceu em Currais Novos/RN. Após o curso secundário, em Natal, criou o ginasial em Currais Novos. Fundou e dirigiu o jornal “Galvanópolis”, voltado, principalmente, para a literatura. Foi a nordestina que teve a extrema ousadia de inscrever-se como eleitora, apoiada pelo então senador Juvenal Lamartine. Posteriormente candidatou-se a deputada estadual pelo Partido Popular, eleita com 60% dos votos. Estava, assim, o Rio Grande do Norte, com uma mulher no cenário político nacional, entre as nove primeiras mulheres deputadas eleitas do Brasil.
Luíza Alzira Teixeira de Vasconcelos ( Alzira Soriano), de 1897, nascida em Angicos/RN, foi a primeira mulher prefeita da América Latina. Administrando a cidade de Lages/RN, convocou intelectuais para o seu secretariado, obtendo crescente êxito no âmbito da educação, da saúde, da urbanização e da construção e pavimentação de estradas. Seu sucesso político, nos idos de 1928, chegou aos enfoques do Jornal Norte-Americano “The New York Times”. Faleceu, em Natal/RN, aos 66 anos.
Ana Floriano foi uma grande líder revolucionária. Comandou, em 30 de agosto de 1875, um grupo de mais de trezentas mulheres em prol de justiça política, evitando que vários mossoroenses se engajassem nas fileiras do exército e da armada. Movimento esse que ficou conhecido como: “Quebra-Quilos”, que os leitores poderão se familiarizar nesta obra e no livro do Dr. Vingt-Un-Rosado - “Motim das Mulheres”- Coleção Mossoroense, 1981, narrando toda a revolta.
Clara Joaquina de Almeida e Castro, de 1769, era natalense. Conquistou forte popularidade como a “heroína potiguar da Revolução de 1817”, constando, nos arquivos, o seu ato de bravura, ao queimar documentos que pudessem comprovar as idéias liberais do seu irmão, Padre Miguelino e outros contemporâneos. Em junho de 1817 foi presa sob suspeita de participação na Revolução, tendo sido inocentada e absolvida de cumplicidade com o irmão, em 1821, o qual foi julgado e fuzilado em Salvador/Bahia. Aos cinquenta anos, Clara casou-se, em Recife/Pernambuco, com o sobrinho Inácio Pinto de Almeida Castro, que tinha idade de ser seu filho, transpondo as leis eclesiásticas e os tabus da sociedade. Fixando residência em Fortaleza/Ceará, a cidade deu o nome de “Clara de Castro” a um dos seus bairros, homenageando a nordestina.
Úrsula Barros de Amorim Garcia, de 1869, cearense de Aracati, era poeta, cronista, ensaísta e a primeira mulher nordestina a fazer jornalismo político. Entre tantos papéis e cargos que ocupou, foi membro da Liga Feminina do Ceará, do “Le monde Marche” e da Oficina Literária Martins Júnior. Fundou, juntamente com Amélia Bevilacqua, a Revista feminina “O Lírio”, divulgando prosas e versos. Colaborou em diversas publicações: Gazeta do Café, A Província, Potiguarania, Almanaque de Pernambuco, O Phanal de Jaboatão, Vitória de Santo Antão e o prélio de Natal. Publicou, em 1901, “O Livro de Bella” (poesias). Falecida em 1905, em Recife/Pernambuco, seus restos mortais repousam na igreja do Bom Jesus das Dores, em Natal/RN.
Vandeci Albanez Veras, de 1929, pernambucana, foi a primeira mulher nomeada Juíza de Direito do Rio Grande do Norte e a terceira do Brasil. Pleiteou o cargo de Desembargadora do Estado, sem sucesso, sobretudo pelas injustiças e calúnias sofridas àquela época. Sua contribuição à área jurídica foi surpreendente!
Anatália de Souza Melo Alves, de 1945, era mossoroense. Destacou-se como ativista política, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, sobressaindo-se junto às Ligas Camponesas na zona da Mata Canavieira. Uma das inúmeras vítimas da Ditadura Militar, foi presa e torturada, sob acusação de subversão e terrorismo. Encontraram-na carbonizada numa cela do DOPS de Recife / PE, em 1973.
Amélia Dantas de Souza Melo Galvão, tornou-se bastante popularizada por ter sido a primeira abolicionista brasileira, enfrentando, gloriosamente, todos os preconceitos da época.
Maria Ilka era poetisa e foi pioneira como diretora do ensino Marista de Natal, deixando a marca da sua competência e dinamismo. Após essa humilde apreciação, sobre uma parcela das centenas de mulheres que constituem a obra lapidar de
Zelma Bezerra, peço licença aos leitores para algumas evocações a respeito da saudosa figura de dona Amélia Duarte Machado ( a viúva Machado), de quem privei de salutar amizade.
Quando eu era aluna do Instituto Maria Auxiliadora (onde cursei o primário e o ginasial), tinha uma colega de classe -Maria José Cabral Micussi, filha de Humberto Micussi e Joana D’Arc Cabral Micussi. Sobrinho e afilhado de Manoel Machado e Amélia Duarte Machado. O senhor Humberto Micussi, em criança, foi adotado por esse casal, que devotou - lhe amor, favorecendo-lhe com excelente educação doméstica, moral e intelectual. Dona Amélia (mais conhecida como a “viúva Machado”), todos os dias ia deixar e buscar a neta, Maria José, no Colégio, num Mércuri cinza, conduzido pelo seu motorista particular, senhor Manoelzinho (“Manel Gordinho”). Lembro-me de dona Amelinha: sorriso cativante, gestos largos à caridade humana, convidando a neta e suas colegas para o sorvete habitual no carrinho do sorveteiro Ximba, sempre de prontidão na calçada do Colégio (que devia ser portador de alguma atrofia, vez que, sua figura não passava de 1,30 de altura, na aparência de um “gigante” pela simpatia humana). Era uma mulher admirável, personalidade marcante e uma alma devotada às causas justas. Sempre às vésperas das provas, Maria José Micussi, Maria das Dores Gurgel de Medeiros (Dadá), Tázia Moura, Ana Lúcia Moreira, Jaci Alves de Brito e eu, nos reuníamos para estudos de grupo no palacete da viúva Machado, situado à Praça Dom Vital, na cidade alta. E lá estava dona Amelinha com o semblante alegre e cativante! Ao término das nossas tarefas havia sempre uma farta mesa com variadas guloseimas e os saborosos doces que ela mesma preparava, com as frutas cultivadas no seu quintal. Nos intervalos dos nossos estudos, ela aproveitava para dar alguns pitacos e fazer citações dos seus autores prediletos: Augusto dos Anjos, Eça de Queiroz, Castro Alves, Victor Hugo, Rousseau e outros, sugerindo que nos dedicássemos às boas leituras.Era uma figura de valor imensurável! Sentia prazer em nos acompanhar, ao término dos estudos, ao sólido portão de ferro da sua casa (um verdadeiro palacete), onde o jardim era protegido por monumentos trabalhados em bronze, simbolizando crianças na primavera e no verão, segundo suas próprias palavras: “Anjos protetores, sentinelas fiéis guardando a velha casa”! Já viúva, com uma vida tranquila e confortável, era generosa, modesta, afetiva, e tinha enorme satisfação em se mostrar agradável. Lembro-me que presenteou-me com um lindo álbum de recordações, nos meus 13 anos, cuja capa me fascinava por ser de madrepérola cor-de-rosa, com inscrição dourada e em alto relevo: “MINHAS RECORDAÇÕES”. Foi o primeiro álbum de recordações que recebi, entregando-o aos cuidados de vovó Madalena (Maria Madalena Antunes Pereira) para a abertura: “Minha netinha Lúcia Helena, neste precioso álbum você saberá derramar a tinta cor-de-rosa das recordações da sua preciosa adolescência. Deus lhe conserve com esse coração puro, a alma sensível e essa inteligência abundante! Amor, vovó LHENE (Madalena). Natal, 9 de julho de 1958”.
Naquele palacete morava uma família cristã, verdadeiramente praticante e participante das missas e das novenas de maio da Igreja do Rosário e da antiga Catedral. Aquele era um solar tão imponente que, vez ou outra, era escolhido (com autorização prévia dos proprietários) pelas autoridades locais, para hospedar personalidades como o escritor francês: Antoine de Saint - Exupéry e Jean Mermoz (o piloto francês da companhia Aéropostale), além de escritores e autoridades políticas de outros Estados. Certa tarde, após os estudos e o farto lanche, dona Amelinha nos convidou para conhecermos o seu quintal. Foi comovente, para mim, poder contemplar as plantas (grandes samambaias, um exuberante pé de jasmim vapor, roseiras, um pé de murta florando...) dando um encanto especial ao quintal. Haviam pés de carambolas, goiabas (de polpas brancas e vermelhas), pitangas, groselhas e uma mangueira “nanica” (cujas mangas cheirosas e doces, eram chamadas popularmente de “manguitas”), e um coqueiro anão, carregado de fartos cachos. Ela compreendeu a minha emoção diante daquele pequeno grande mundo e exclamou: “Isso aqui é um pouco do paraíso que desejo encontrar no céu. Você não acha, Lucinha, que o céu já está neste meu pedacinho de terra”? Tudo me parecia encantador! Um mundo, aparentemente, quase perfeito. E a figura da viúva Machado (dona Amelinha), estará sempre em minha memória, como a doce imagem da mulher virtuosa, caridosa, devotada à família e à natureza! Quando ouvia desagravos à sua pessoa, estigmatizada incoerentemente de “papa-figo” e outras denominações, lembrava-me dos gestos de sua bela humanidade ao cuidar dos doentes, dos pedintes e miseráveis que dormiam ao relento, pelas calçadas e que ela alimentava e, sempre que oportuno, chamava-os à frente do palacete ofertando - lhes comida e doando-lhes roupas em substituição aos seus trapos. Quando faleceu, meus pais levaram-me ao seu velório. De longe ouvia - se o dobre dos sinos da Igreja do Rosário. Uma aglomeração humana impediu-me de vê-la, cuidei, então, ouvir o ressoar dos sinos reverenciando a sua partida e contemplando o seu jardim. Colhi um broto do singelo pé de manacá e olhei as crianças de bronze, seus “anjos” guardiões (naqueles instantes, lembrando formas humanas) e tocando hinos de louvores à bondosa senhora!
Como afirmei acima, nesse rico trabalho sobre notáveis mulheres, Zelma Bezerra foi buscar, no passado, a história do papel feminino em épocas mais remotas. Mulheres do Rio Grande do Norte e de outros Estados do Nordeste.
E beijo-lhe as mãos, Zelma, por esse gesto eterno!
____________________________________________________ (1) William Sharp - 1885/1905 - poeta inglês.
(2) Escritora
(3) Escritora, pesquisadora, educadora, presidente da AFL / RN - Academia Feminina de Letras /RN.
Vandeci Albanez Veras, de 1929, pernambucana, foi a primeira mulher nomeada Juíza de Direito do Rio Grande do Norte e a terceira do Brasil. Pleiteou o cargo de Desembargadora do Estado, sem sucesso, sobretudo pelas injustiças e calúnias sofridas àquela época. Sua contribuição à área jurídica foi surpreendente!
Anatália de Souza Melo Alves, de 1945, era mossoroense. Destacou-se como ativista política, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, sobressaindo-se junto às Ligas Camponesas na zona da Mata Canavieira. Uma das inúmeras vítimas da Ditadura Militar, foi presa e torturada, sob acusação de subversão e terrorismo. Encontraram-na carbonizada numa cela do DOPS de Recife / PE, em 1973.
Amélia Dantas de Souza Melo Galvão, tornou-se bastante popularizada por ter sido a primeira abolicionista brasileira, enfrentando, gloriosamente, todos os preconceitos da época.
Maria Ilka era poetisa e foi pioneira como diretora do ensino Marista de Natal, deixando a marca da sua competência e dinamismo. Após essa humilde apreciação, sobre uma parcela das centenas de mulheres que constituem a obra lapidar de
Zelma Bezerra, peço licença aos leitores para algumas evocações a respeito da saudosa figura de dona Amélia Duarte Machado ( a viúva Machado), de quem privei de salutar amizade.
Quando eu era aluna do Instituto Maria Auxiliadora (onde cursei o primário e o ginasial), tinha uma colega de classe -Maria José Cabral Micussi, filha de Humberto Micussi e Joana D’Arc Cabral Micussi. Sobrinho e afilhado de Manoel Machado e Amélia Duarte Machado. O senhor Humberto Micussi, em criança, foi adotado por esse casal, que devotou - lhe amor, favorecendo-lhe com excelente educação doméstica, moral e intelectual. Dona Amélia (mais conhecida como a “viúva Machado”), todos os dias ia deixar e buscar a neta, Maria José, no Colégio, num Mércuri cinza, conduzido pelo seu motorista particular, senhor Manoelzinho (“Manel Gordinho”). Lembro-me de dona Amelinha: sorriso cativante, gestos largos à caridade humana, convidando a neta e suas colegas para o sorvete habitual no carrinho do sorveteiro Ximba, sempre de prontidão na calçada do Colégio (que devia ser portador de alguma atrofia, vez que, sua figura não passava de 1,30 de altura, na aparência de um “gigante” pela simpatia humana). Era uma mulher admirável, personalidade marcante e uma alma devotada às causas justas. Sempre às vésperas das provas, Maria José Micussi, Maria das Dores Gurgel de Medeiros (Dadá), Tázia Moura, Ana Lúcia Moreira, Jaci Alves de Brito e eu, nos reuníamos para estudos de grupo no palacete da viúva Machado, situado à Praça Dom Vital, na cidade alta. E lá estava dona Amelinha com o semblante alegre e cativante! Ao término das nossas tarefas havia sempre uma farta mesa com variadas guloseimas e os saborosos doces que ela mesma preparava, com as frutas cultivadas no seu quintal. Nos intervalos dos nossos estudos, ela aproveitava para dar alguns pitacos e fazer citações dos seus autores prediletos: Augusto dos Anjos, Eça de Queiroz, Castro Alves, Victor Hugo, Rousseau e outros, sugerindo que nos dedicássemos às boas leituras.Era uma figura de valor imensurável! Sentia prazer em nos acompanhar, ao término dos estudos, ao sólido portão de ferro da sua casa (um verdadeiro palacete), onde o jardim era protegido por monumentos trabalhados em bronze, simbolizando crianças na primavera e no verão, segundo suas próprias palavras: “Anjos protetores, sentinelas fiéis guardando a velha casa”! Já viúva, com uma vida tranquila e confortável, era generosa, modesta, afetiva, e tinha enorme satisfação em se mostrar agradável. Lembro-me que presenteou-me com um lindo álbum de recordações, nos meus 13 anos, cuja capa me fascinava por ser de madrepérola cor-de-rosa, com inscrição dourada e em alto relevo: “MINHAS RECORDAÇÕES”. Foi o primeiro álbum de recordações que recebi, entregando-o aos cuidados de vovó Madalena (Maria Madalena Antunes Pereira) para a abertura: “Minha netinha Lúcia Helena, neste precioso álbum você saberá derramar a tinta cor-de-rosa das recordações da sua preciosa adolescência. Deus lhe conserve com esse coração puro, a alma sensível e essa inteligência abundante! Amor, vovó LHENE (Madalena). Natal, 9 de julho de 1958”.
Naquele palacete morava uma família cristã, verdadeiramente praticante e participante das missas e das novenas de maio da Igreja do Rosário e da antiga Catedral. Aquele era um solar tão imponente que, vez ou outra, era escolhido (com autorização prévia dos proprietários) pelas autoridades locais, para hospedar personalidades como o escritor francês: Antoine de Saint - Exupéry e Jean Mermoz (o piloto francês da companhia Aéropostale), além de escritores e autoridades políticas de outros Estados. Certa tarde, após os estudos e o farto lanche, dona Amelinha nos convidou para conhecermos o seu quintal. Foi comovente, para mim, poder contemplar as plantas (grandes samambaias, um exuberante pé de jasmim vapor, roseiras, um pé de murta florando...) dando um encanto especial ao quintal. Haviam pés de carambolas, goiabas (de polpas brancas e vermelhas), pitangas, groselhas e uma mangueira “nanica” (cujas mangas cheirosas e doces, eram chamadas popularmente de “manguitas”), e um coqueiro anão, carregado de fartos cachos. Ela compreendeu a minha emoção diante daquele pequeno grande mundo e exclamou: “Isso aqui é um pouco do paraíso que desejo encontrar no céu. Você não acha, Lucinha, que o céu já está neste meu pedacinho de terra”? Tudo me parecia encantador! Um mundo, aparentemente, quase perfeito. E a figura da viúva Machado (dona Amelinha), estará sempre em minha memória, como a doce imagem da mulher virtuosa, caridosa, devotada à família e à natureza! Quando ouvia desagravos à sua pessoa, estigmatizada incoerentemente de “papa-figo” e outras denominações, lembrava-me dos gestos de sua bela humanidade ao cuidar dos doentes, dos pedintes e miseráveis que dormiam ao relento, pelas calçadas e que ela alimentava e, sempre que oportuno, chamava-os à frente do palacete ofertando - lhes comida e doando-lhes roupas em substituição aos seus trapos. Quando faleceu, meus pais levaram-me ao seu velório. De longe ouvia - se o dobre dos sinos da Igreja do Rosário. Uma aglomeração humana impediu-me de vê-la, cuidei, então, ouvir o ressoar dos sinos reverenciando a sua partida e contemplando o seu jardim. Colhi um broto do singelo pé de manacá e olhei as crianças de bronze, seus “anjos” guardiões (naqueles instantes, lembrando formas humanas) e tocando hinos de louvores à bondosa senhora!
Como afirmei acima, nesse rico trabalho sobre notáveis mulheres, Zelma Bezerra foi buscar, no passado, a história do papel feminino em épocas mais remotas. Mulheres do Rio Grande do Norte e de outros Estados do Nordeste.
E beijo-lhe as mãos, Zelma, por esse gesto eterno!
____________________________________________________ (1) William Sharp - 1885/1905 - poeta inglês.
(2) Escritora
(3) Escritora, pesquisadora, educadora, presidente da AFL / RN - Academia Feminina de Letras /RN.
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